sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Movimento indígena....

O que é movimento indígena?

 Extraído Série Vias dos Saberes no 1.

   Movimento indígena, segundo uma definição mais comum entre as lideranças indígenas, é o conjunto de estratégias e ações que as comunidades e as organizações indígenas desenvolvem em defesa de seus direitos e interesses coletivos. Movimento indígena não é o mesmo que organização indígena, embora esta última seja parte importante dele. Um indígena não precisa pertencer formalmente a uma organização ou aldeia indígena para estar incluído no movimento indígena, basta que ele comungue e participe politicamente de ações, aspirações e projetos definidos como agenda de interesse comum das pessoas, das comunidades e das organizações que participam e sustentam a existência do movimento indígena, neste sentido, o movimento indígena brasileiro, e não o seu representante ou o seu dirigente. Existem pessoas, lideranças, comunidades, povos e organizações indígenas que desenvolvem ações conjuntas e articuladas em torno de uma agenda de trabalho e de luta mais ou menos comum em defesa de interesses coletivos também comuns.
  O líder indígena Daniel Mundurucu costuma dizer que no lugar de
movimento indígena dever-se-ia dizer índios em movimento. Ele tem certa razão, pois não existe no Brasil um movimento indígena. Existem muitos movimentos indígenas, uma vez que cada aldeia, cada povo ou cada território indígena estabelece e desenvolve o seu movimento. Mas as lideranças indígenas brasileiras, de forma sábia, gostam de afirmar que existe sim um movimento indígena, aquele que busca articular todas as diferentes ações e estratégias dos povos indígenas, visando a uma luta articulada nacional ou regional que envolve os direitos e os interesses comuns diante de outros segmentos e interesses nacionais e regionais. Essa visão estratégica de articulação nacional não anula nem reduz as particularidades e a diversidade de realidades socioculturais dos povos e dos territórios indígenas; ao contrário, valoriza, visibiliza e fortalece a pluralidade étnica, na medida em que articula, de forma descentralizada, transparente, participativa e representativa os diferentes povos.


   No Brasil, existe de fato, desde a década de 1970, o que podemos
chamar de movimento indígena brasileiro, ou seja, um esforço conjunto e articulado de lideranças, povos e organizações indígenas objetivando uma agenda comum de luta, como é a agenda pela terra, pela saúde, pela educação e por outros direitos. Foi esse movimento indígena articulado, apoiado por seus aliados, que conseguiu convencer a sociedade brasileira e o Congresso Nacional Constituinte a aprovar, em 1988, os avançados direitos indígenas na atual Constituição Federal. Foi esse mesmo movimento indígena que lutou para que os direitos à terra fossem respeitados e garantidos, tendo logrado importantes avanços nos processos de demarcação e regularização das terras indígenas. Foi também esse movimento que lutou – e continua lutando – para que a política educacional oferecida aos povos indígenas fosse radicalmente mudada quanto aos seus princípios filosóficos, pedagógicos, políticos e metodológicos, resultando na chamada educação escolar indígena diferenciada, que permite a cada povo indígena definir e exercitar, no âmbito de sua escola, os processos próprios de ensino-aprendizagem e produção e reprodução dos conhecimentos tradicionais e científicos de interesse coletivo do povo.
  A implantação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, ainda em construção e aperfeiçoamento, é outra conquista relevante da luta articulada do movimento indígena brasileiro. Em nível regional, na Amazônia, o Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas (PDPI), que faz parte do Ministério do Meio Ambiente, e o Projeto Integrado de Proteção das Terras Indígenas na Amazônia
Legal (PPTAL), pertencente à Fundação Nacional do Índio (FUNAI), são alguns exemplos particulares da existência e da capacidade de mobilização e pressão do movimento indígena amazônico. Assim, poderíamos enumerar vários exemplos de conquistas do movimento indígena. Isto significa dizer que muitas dessas conquistas políticas não teriam sido possíveis sem o movimento indígena articulado, mesmo com suas limitações e fragilidades, uma vez que é uma aprendizagem muito nova para os índios por se tratar de uma modalidade complexa de trabalho e luta dos brancos, até então desconhecida pelos povos indígenas.
  O modelo de organização indígena formal – um modelo branco – foi sendo apropriado pelos povos indígenas ao longo do tempo, da mesma forma que eles foram se apoderando de outros instrumentos e novas tecnologias dos brancos para defenderem seus direitos, fortalecerem seus modos próprios de vida e melhorarem suas condições de vida, o que é desejo de qualquer sociedade humana. Isto não significa tornar-se branco ou deixar de ser índio. Ao contrário, quer dizer capacidade de resistência, de sobrevivência e de apropriação de conhecimentos, tecnologias e valores de outras culturas, com o fim de enriquecer, fortalecer e garantir a continuidade de suas identidades, de seus valores e de suas tradições culturais. A ideia de movimento indígena nacional articulado é importante para superar a visão antiga dos colonizadores de que a única coisa que os índios sabem fazer é brigar e guerrear entre si quando, na verdade, usaram essas rivalidades intertribais para dominá-los, para isso, jogando um povo contra o outro. Ainda hoje, muitos brancos, principalmente do governo, preferem dar mais importância à ideia de que não há e não pode haver movimento indígena articulado e representativo devido à diversidade de povos e realidades, pois isso fortalece os propósitos de dominação, manipulação e cooptação dos índios em favor de seus interesses políticos e econômicos. Os dirigentes políticos e os gestores de políticas públicas utilizam muito esta ideia para justificar suas omissões e incapacidades de formular e de implementar políticas públicas coerentes, com o argumento de que os índios não se entendem, e isso impede a execução das ações. Um exemplo disto é o projeto de lei do Estatuto das Sociedades Indígenas, que há mais de 10 anos permanece sem aprovação no Congresso Nacional. A principal justificativa por parte dos dirigentes políticos é a falta de consenso entre os índios sobre as várias questões e os diferentes aspectos do projeto de lei.
  É em nome dessa visão propositadamente distorcida da diversidade indígena que a FUNAI não reconhece as organizações indígenas como interlocutoras ou agentes políticos das comunidades indígenas, argumentando que os povos indígenas, na sua totalidade, não aceitariam ser representados por alguma organização indígena. Na verdade, essa representação pan-indígena não interessa a muitos setores políticos e econômicos do país e, por isso, acabam dividindo os povos e as comunidades
indígenas para assim subjugá-los e dominá-los.
 

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